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Você tem medo de quê?

Você tem medo de quê?
Paulo Roberto Gaefke

De dizer não para aquela pessoa querida mesmo sabendo que o sim significa problemas no futuro?
Você tem medo de quê?
De admitir que se enganou com uma pessoa, que errou na dose do sentimentalismo e fechou os olhos para a realidade que todos viam?
Aceitar que o fim de um relacionamento já chegou há muito tempo e você, só você insiste em manter as aparências?
Você tem medo de quê?
De alar para a família e os verdadeiros amigos o quanto os ama e, por isso, fica calado imaginando que todo mundo sabe disso?
De perder o emprego medíocre e, por isso, se submete a tirania de um local que você não se sente bem?
Você tem medo de quê?
De aceitar que seu atual estado é reflexo apenas dos seus atos, das suas atitudes, algumas vezes impensadas e feitas de pura ansiedade...
Você tem medo de quê?
De sair da capa de vítima e encarar de frente seus sonhos, suas necessidades e descobrir que pode realizá-los?
De questionar velhos conceitos e mudar tudo para viver melhor?
Você tem medo de quê?
De aceitar que Deus existe e que nos pede ação sempre, trabalho sempre, boa vontade sempre, perdão sempre, amor sempre.
Não tenha medo de ser feliz, arrisque-se, aventure-se.
Caiu? Levante-se.
Errou? Comece de novo.
Perdoe sempre.
Esqueça o que passou, construa o hoje, viva o hoje.
Ame-se sempre!

Mensagem lida no Mais Você da Globo, pela Ana Maria Braga em:22/11/2005 (http://maisvoce.globo.com/mensagem.jsp?id=16319)
e em: 09/11/2004 (http://maisvoce.globo.com/mensagem.jsp?id=16097)

Clarice Lispector

Sinto Saudades


Eu tenho saudades de tudo que marcou a minha vida
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...
Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...
Sinto saudadesda minha adolescência,
do meu colégio querido
do meu primeiro amor, do meu segundo,
do terceiro, do penúltimo
e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser...
Sinto saudades do presente, que não aproveitei de todo,
lembrando do passado e apostando no futuro...
Sinto saudades do futuro, que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...
Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei,
de quem disse que viria e nem apareceu;
de quem apareceu correndo, sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.
Sinto saudades dos que se foram
e de quem não me despedi direito;
daqueles que não tiveram como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre;
de coisas que tive e de outras que não tive mas quis muito ter;
de coisas que nem sei que existiram.
Sinto saudades de coisas sérias, de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...
Sinto saudades do cachorrinho que eu NÃO tive
um dia e que me amaRIa fielmente, como só os
cães são capazes de fazer,
dos livros que li e que me fizeram viajar, dos discos
que ouvi e que me fizeram sonhar,
das coisas que vivi e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.
Quantas vezes tenho vontade de encontrar
não sei o que, não sei onde, para resgatar alguma coisa
que nem sei o que é e nem onde perdi...
Vejo o mundo girando e penso que poderia estar
sentindo saudades em japonês, em russo, em italiano,
em inglês, mas que minha saudade, por eu ter nascido
no Brasil, só fala português, embora, lá no fundo,
possa ser poliglota.
Aliás, dizem que costuma-se
usar sempre a língua pátria, espontaneamente,
quando estamos desesperados, para contar dinheiro,
fazer amor e declarar sentimentos fortes, seja lá
em que lugar do mundo estejamos.
Eu acredito que um
simples "I miss you", ou seja lá como possamos
traduzir saudade em outra língua, nunca terá a
mesma força e significado da nossa palavrinha.
Talvez não exprima, corretamente, a imensa falta
que sentimos de coisas ou pessoas queridas.
E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes em que sinto este
aperto no peito, meio nostálgico,
meio gostoso, mas que funciona melhor do que
um sinal vital quando se quer falar de vida
e de sentimentos.
Ela é a prova inequívoca de
que somos sensíveis, de que amamos muito o
que tivemos e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência...
Sentir saudade,
é sinal de que se está vivo!

Clarice Lispector

Dor e perda

Dor e perda
Mônica Oliveira

Sua dor, sua perda
Não posso medir
Não posso curar
Não posso sanar

Só posso dar meu ombro
Dar meu pranto
Dar meu acalanto
Dar meu recanto

Silêncio dolorido
Silêncio sofrido
Silêncio de dor
Silêncio que fala

Repito, só posso
Dar meu pranto
Dar meu acalanto
Dar meu recanto

Aceite meu abraço
Aceite meu silêncio
Aceite meu ombro
Aceite minha amizade

Mar e Lua

Mar e lua
Chico Buarque, música gravada por Simone

Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar
E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepios
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
e à beira-mar

Inveja

Inveja
Luis Fernando Verissimo

Sou um invejoso, confesso. Invejo quem pode comer doce, quem consegue dormir em avião, quem fala bonito, quem tem neto, quem sabe programar o timer . Invejo os que têm certeza, os que têm fé e os que têm cabelo. Mas há um tipo que eu invejo acima de qualquer outro. Um que me desperta admiração e ódio — que são os componentes da inveja — numa escala quase insuportável. É o que diz, geralmente depois de um suspiro revoltante: “Estou sem nada para ler...”
Entende? Não é a queixa de uma privação passageira. Ele não se distraiu e deixou de se suprir de leituras, como se tivesse esquecido de comprar sabão no super. Está implícita na sua lamúria uma crítica à indústria editorial e à classe intelectual, que simplesmente não produziram nada que merecesse sua atenção. Elas são os responsáveis pelo seu tempo ocioso e a sua mesa de cabeceira vazia. Enquanto eu sofro da angústia oposta, a da falta de tempo e das pilhas de livros na mesa de cabeceira — e nas estantes e em qualquer superfície plana da casa. Minha queixa é outra: coisas demais para ler até a minha morte, marcada para 2076, se é que eu acertei o timer , sem falar no que ainda pretendo comprar. “Que inveja” é o único comentário cabível diante da frase do insensível.
Muitas vezes a frase é apenas preâmbulo para um pedido de sugestão de leitura. Para: “Tens lido algo que preste?” A pergunta pressupõe que você tem os mesmos gostos que ele e lhe dá a oportunidade de brincar de leitor casual também, sem estresse.
— Já leu o da Vinci?
— Já tentei. Mas daquele tamanho...
— E o do Fernando Henrique?
— Acho que vou esperar o filme.
Ele tem razão. Não há mesmo nada para ler.
Mas a inveja de quem não tem a angústia dos livros esperando leitura seria mais honesta, no meu caso, se a falta de tempo não fosse culpa minha. Na verdade, tenho inveja de mim mesmo quando lia por prazer e curiosidade e não perdia tanto tempo com jornais, revistas e televisão, que nos aproximam tanto do mundo que roubam nossa perspectiva, e portanto nos informam e deformam ao mesmo tempo. Enquanto as pilhas não param de aumentar.


Fonte: Jornal O Globo

Nossa imagem no espelho

Nossa imagem no espelho
Martinho Carlos Rost

O que nos torna seres singulares é nossa capacidade de criar contextos explicativos do mundo. Não nos basta ser - é necessário explicar o que somos, justificar nossa existência; é preciso convencer a nós mesmos que somos o que somos.

Quando explicamos, reduzimos coisas ou fatos isolados, aparentemente sem relação entre si, a uma ordem ou lei geral. Explicar é raciocinar: estabelecer relações entre fenômenos que parecem desconexos; é pensar logicamente. Explicar é utilizar a razão para conceber um princípio que torne uno o que nos parece disperso; que aproxime o que parece afastado de nós.

Ora, somos nós que estamos dando explicações. Somos nós que descrevemos o mundo, dizendo que ele é assim ou assado, e que funciona desta ou daquela maneira. Ao afirmarmos, por exemplo: "O céu está azul", o sujeito não é, como pode parecer, "O céu". Ao cabo de uma análise mais profunda, seremos compelidos a dizer: "Eu vejo que o céu está azul"... "Eu acho"... "Eu sinto"... "Eu penso"... O sujeito real é sempre o "Eu": o "Eu" que duvida, que interroga e busca provas; o "Eu" que explica, que descreve, que deseja conhecer. E o mundo - veja só! - torna-se mero predicado: não mais do que aquilo que declaramos acerca de nós mesmos.

O mundo é como um espelho que reflete nossa imagem - que quer nos mostrar como somos, mas que na verdade nos mostra o que queremos ver. É por isso que se diz que o universo conspira a nosso favor. Pudera! Ao pensar, nós o criamos - e é nosso pensamento que o sustenta. O mundo responde as nossas expectativas, porque reflete a consciência que temos de nós mesmos.

Há um certo narcisismo, um quê de auto-admiração, em nossa atitude diante do espelho. Nossa imagem - nossa concepção de universo - evoca o respeito devido a séculos de filosofia e ciência, mas é somente uma imagem... O saber acumulado pelo pensamento humano pode erguer-se como um magnífico monumento à verdade, mas é somente um monumento... não é a verdade... O conhecimento registrado nos anais de nossa história pode servir como um mapa, mas nunca será o território, para onde (que o digam os poetas!) só as asas do coração podem nos levar.

Quanto nós merecemos?

Quanto nós merecemos?
Lya Luft

O ser humano é um animal que deu errado em várias coisas. A maioria das pessoas que conheço, se fizesse uma terapia, ainda que breve, haveria de viver melhor. Os problemas podiam continuar ali, mas elas aprenderiam a lidar com eles.

Sem querer fazer uma interpretação barata ou subir além do chinelo: como qualquer pessoa que tenha lido Freud e companhia, não raro penso nas rasteiras que o inconsciente nos passa e em quanto nos atrapalhamos por achar que merecemos pouco.

Pessoalmente, acho que merecemos muito: nascemos para ser bem mais felizes do que somos, mas nossa cultura, nossa sociedade, nossa família não nos contaram essa história direito. Fomos onerados com contos de ogros sobre culpa, dívida, deveres e... mais culpa.

Um psicanalista me disse um dia:

– Minha profissão ajuda as pessoas a manter a cabeça à tona d"água. Milagres ninguém faz.

Nessa tona das águas da vida, por cima da qual nossa cabeça espia – se não naufragamos de vez –, somos assediados por pensamentos nem sempre muito inteligentes ou positivos sobre nós mesmos.

As armadilhas do inconsciente, que é onde nosso pé derrapa, talvez nos façam vislumbrar nessa fenda obscura um letreiro que diz: "Eu não mereço ser feliz. Quem sou eu para estar bem, ter saúde, ter alguma segurança e alegria? Não mereço uma boa família, afetos razoavelmente seguros, felicidade em meio aos dissabores". Nada disso. Não nos ensinaram que "Deus faz sofrer a quem ama"?

Portanto, se algo começa a ir muito bem, possivelmente daremos um jeito de que desmorone – a não ser que tenhamos aprendido a nos valorizar.

Vivemos o efeito de muita raiva acumulada, muito mal-entendido nunca explicado, mágoas infantis, obrigações excessivas e imaginárias. Somos ofuscados pelo danoso mito da mãe santa e da esposa imaculada e do homem poderoso, pela miragem dos filhos mais que perfeitos, do patrão infalível e do governo sempre confiável. Sofremos sob o peso de quanto "devemos" a todas essas entidades inventadas, pois, afinal, por trás delas existe apenas gente, tão frágil quanto nós.

Esses fantasmas nos questionam, mãos na cintura, sobrancelhas iradas:

– Ué, você está quase se livrando das drogas, está quase conquistando a pessoa amada, está quase equilibrando sua relação com a família, está quase obtendo sucesso, vive com alguma tranqüilidade financeira... será que você merece? Veja lá!

Ouvindo isso, assustados réus, num ato nada falho tiramos o tapete de nós mesmos e damos um jeito de nos boicotar – coisa que aliás fazemos demais nesta curta vida. Escolhemos a droga em lugar da lucidez e da saúde; nos fechamos para os afetos em lugar de lhes abrir espaço; corremos atarantados em busca de mais dinheiro do que precisaríamos; se vamos bem em uma atividade, ficamos inquietos e queremos trocar; se uma relação floresce, viramos críticos mordazes ou traímos o outro, dando um jeito de podar carinho, confiança ou sensualidade.

Se a gente pudesse mudar um pouco essa perspectiva, e não encarar drogas, bebida em excesso, mentira, egoísmo e isolamento como "proibidos", mas como uma opção burra e destrutiva, quem sabe poderíamos escolher coisas que nos favorecessem. E não passar uma vida inteira afastando o que poderia nos dar alegria, prazer, conforto ou serenidade.

No conflitado e obscuro território do inconsciente, que o velho sábio Freud nos ensinaria a arejar e iluminar, ainda nos consideramos maus meninos e meninas, crianças malcomportadas que merecem castigo, privação, desperdício de vida. Bom, isso também somos nós: estranho animal que nasceu precisando urgente de conserto.

Alguém sabe o endereço de uma oficina boa, barata, perto de casa – ah, e que não lide com notas frias?


Fonte: Revista Veja
Publicado na edição 1935, de 14/12/2005

Frases de Gibran “Kahlil Gibran”

Frases de Gibran “Kahlil Gibran
جبران خليل جبران

"Quando o amor vos fizer sinal, segui-o; ainda que os seus caminhos sejam duros e escarpados. E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos; ainda que a espada escondida na sua plumagem vos possa ferir".


"O amor não conhece sua própria intensidade até a hora da separação." (O Profeta)


"Uma vida sem amor é como árvores sem flores e sem frutos. E um amor sem beleza é como flores sem perfume. Vida, amor, beleza: eis a minha trindade. (Temporais)


"Fé é um oásis no coração que nunca será alcançado pela caravana do pensamento."


"Confie nos sonhos, pois neles está o portão escondido para a eternidade."


"É errado pensar que o amor vem do companheirismo de longo tempo ou do cortejo perseverante. O amor é filho da afinidade espiritual e a menos que esta afinidade seja criada em um instante, ela não será criada em anos, ou mesmo em gerações."


"Cantai e dançai juntos, e sede alegres, mas deixai cada um de vós estar sozinho".


"Vivei juntos, mas não vos aconchegueis em demasia, pois as colunas do templo erguem-se separadamente, e o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro."


"Um livro é como uma janela. Quem não lê, é como alguém que ficou distante da janela e só pode ver uma pequena parte da paisagem"


"Brincando agora de esconder, se te escondesses no meu coração,
não seria difícil encontrar-te.
Mas se te escondesses dentro de tua própria casca, então seria inútil procurar por ti."


"Tudo que se vê é miragem. Procura a essência que não se vê."


O pecado não existe, exceto na medida em que o criamos.
Somos nós, portanto, que devemos destruí-lo.
Se escolhermos fazer o mal, ele existirá até que o destruamos.
O bem não podemos fazê-lo, pois ele é o próprio alento do Universo;
Mas podemos escolher respirar e viver nele e com ele.


"Aprendi o silêncio com os tagarelas;
a tolerância com os intolerantes
e bondade com os maldosos.
Não devo ser ingrato com esses professores."

Convite

Convite
Lya Luft

Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou mistério

A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos a sério.

Os homens desejam as mulheres que não existem

Os homens desejam as mulheres que não existem
Arnaldo Jabor

Está na moda - muitas mulheres ficam em acrobáticas posições ginecológicas para raspar os pêlos pubianos nos salões de beleza. Ficam penduradas em paus-de-arara e, depois, saem felizes com apenas um canteirinho de cabelos, como um jardinzinho estreito, a vereda indicativa de um desejo inofensivo e não mais as agressivas florestas que podem nos assustar. Parecem uns bigodinhos verticais que (oh, céus!...) me fazem pensar em... Hitler.
Silicone, pêlos dourados, bumbuns malhados, tudo para agradar aos consumidores do mercado sexual. Olho as revistas povoadas de mulheres lindas... e sinto uma leve depressão, me sinto mais só, diante de tanta oferta impossível.
Vejo que no Brasil o feminismo se vulgarizou numa liberdade de "objetos", produziu mulheres livres como coisas, livres como produtos perfeitos para o prazer. A concorrência é grande para um mercado com poucos consumidores, pois há muito mais mulher que homens na praça (e-mails indignados virão...)
Talvez este artigo seja moralista, talvez as uvas da inveja estejam verdes, mas eu olho as revistas de mulher nua e só vejo paisagens; não vejo pessoas com defeitos, medos.
Só vejo meninas oferecendo a doçura total, todas competindo no mercado, em contorções eróticas desesperadas porque não têm mais o que mostrar.
Nunca as mulheres foram tão nuas no Brasil; já expuseram o corpo todo, mucosas, vagina, ânus.
O que falta? Órgãos internos? Que querem essas mulheres? Querem acabar com nossos lares? Querem nos humilhar com sua beleza inconquistável?
Muitas têm boquinhas tímidas, algumas sugerem um susto de virgens, outras fazem cara de zangadas, ferozes gatas, mas todas nos olham dentro dos olhos como se dissessem: "Venham... eu estou sempre pronta, sempre alegre, sempre excitada, eu independo de carícias, de romance!..."
Sugerem uma mistura de menina com vampira, de doçura com loucura e todas ostentam uma falsa tesão devoradora. Elas querem dinheiro, claro, marido, lugar social, respeito, mas posam como imaginam que os homens as querem.
Ostentam um desejo que não têm e posam como se fossem apenas corpos sem vida interior, de modo a não incomodar com chateações os homens que as consomem.
A pessoa delas não tem mais um corpo; o corpo é que tem uma pessoa, frágil, tênue, morando dentro dele.
Mas, que nos prometem essas mulheres virtuais? Um orgasmo infinito?
Elas figuram ser odaliscas de um paraíso de mercado, último andar de uma torre que os homens atingiriam depois de suas Ferraris, seus Armanis, ouros e sucesso; elas são o coroamento de um narcisismo yuppie, são as 11 mil virgens de um paraíso para executivos.
E o problema continua: como abordar mulheres que parecem paisagens?
Outro dia vi a modelo Daniela Cicarelli na TV. Vocês já viram essa moça?
É a coisa mais linda do mundo, tem uma esfuziante simpatia, risonha, democrática, perfeita, a imensa boca rósea, os "olhos de esmeralda nadando em leite" (quem escreveu isso?), cabelos de ouro seco, seios bíblicos, como uma imensa flor de prazeres. Olho-a de minha solidão e me pergunto: "Onde está a Daniela no meio desses tesouros perfeitos? Onde está ela?"
Ela deve ficar perplexa diante da própria beleza, aprisionada em seu destino de sedutora, talvez até com um vago ciúme de seu próprio corpo. Daniela é tão linda que tenho vontade de dizer: "Seja feia..."
Queremos percorrer as mulheres virtuais, visitá-las, mas, como conversar com elas?
Com quem? Onde estão elas? Tanta oferta sexual me angustia, me dá a certeza de que nosso sexo é programado por outros, por indústrias masturbatórias, nos provocando desejo para me vender satisfação. É pela dificuldade de realizar esse sonho masculino que essas moças existem, realmente. Elas existem, para além do limbo gráfico das revistas. O contato com elas revela meninas inseguras, ou doces, espertas ou bobas mas, se elas pudessem expressar seus reais desejos, não estariam nas revistas sexy, pois não há mercado para mulheres amando maridos, cozinhando felizes, aspirando por namoros ternos. Nas revistas, são tão perfeitas que parecem dispensar parceiros, estão tão nuas que parecem namoradas de si mesmas. Mas, na verdade, elas querem amar e ser amadas, embora tenham de ralar nos haréns virtuais inventados pelos machos. Elas têm de fingir que não são reais, pois ninguém quer ser real hoje em dia - foi uma decepção quando a Tiazinha se revelou ótima dona de casa na Casa dos Artistas, limpando tudo numa faxina compulsiva.
Infelizmente, é impossível tê-las, porque, na tecnologia da gostosura, elas se artificializam cada vez mais, como carros de luxo se aperfeiçoando a cada ano. A cada mutação erótica, elas ficam mais inatingíveis no mundo real. Por isso, com a crise econômica, o grande sucesso são as meninas belas e saradas, enchendo os sites eróticos da internet ou nas saunas relax for men, essa réplica moderna dos haréns árabes. Essas lindas mulheres são pagas para não existir, pagas para serem um sonho impalpável, pagas para serem uma ilusão. Vi um anúncio de boneca inflável que sintetizava o desejo impossível do homem de mercado: ter mulheres que não existam... O anúncio tinha o slogan em baixo: "She needs no food nor stupid conversation."
Essa é a utopia masculina: satisfação plena sem sofrimento ou realidade.A democracia de massas, mesclada ao subdesenvolvimento cultural, parece "libertar" as mulheres. Ilusão à toa.
A "libertação da mulher" numa sociedade ignorante como a nossa deu nisso: superobjetos se pensando livres, mas aprisionadas numa exterioridade corporal que apenas esconde pobres meninas famintas de amor e dinheiro. A liberdade de mercado produziu um estranho e falso "mercado da liberdade". É isso aí. E ao fechar este texto, me assalta a dúvida: estou sendo hipócrita e com inveja do erotismo do século 21?
Será que fui apenas barrado do baile?

Clarice Lispector

Sou assombrada...


"Sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico - a vida é sobrenatural.


E eu caminho em corda bamba até o limite de meu sonho.


As vísceras torturadas pela voluptuosidade me guiam, fúria dos impulsos.


Antes de me organizar, tenho que me desorganizar internamente.


Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade.


Da liberdade de errar, cair e levantar-me."

Clarice Lispector

Chorar faz bem

Chorar faz bem
Martha Medeiros


Uma vez eu estava no velório de uma amiga da minha mãe que havia falecido cedo, aos 60 e poucos anos. Eu gostava muito dela, era uma mulher bonita, divertida, vibrante. Foi uma morte anunciada, ela vinha doente há meses. Portanto, estava tudo dentro da previsibilidade. Ainda assim, quando entrei na capela onde estava o caixão, senti um aperto no peito, minha garganta fechou, parecia que eu iria sufocar, e então, sem que eu conseguisse me controlar, caí em prantos. Chorei como se fosse da família, chorei o choro reservado apenas àqueles muito próximos, chorei de dar vexame, deixando a todos comovidos com a minha dor. Mal sabiam eles que minha tristeza por aquela amiga de minha mãe era bem menor do que a tristeza por mim mesma. Eu chorava por algo que havia morrido em mim, chorava um pedaço da minha vida que havia deixado de existir, chorava uma perda que nada tinha a ver com aquela situação. O velório foi apenas um álibi providencial.


Desde então, comecei a ficar mais atenta às verdadeiras razões dos meus choros, que, aliás, costumam ser raros. Já aconteceu de eu quase chorar por ter tropeçado na rua, por uma coisa à-toa. É que, dependendo da dor que você traz dentro, dá mesmo vontade de aproveitar a ocasião para sentar no fio da calçada e chorar como se tivéssemos sofrido uma fratura exposta.


Qualquer coisa pode servir de motivo. Chorar porque fomos multados, porque a empregada não veio, porque o zíper arrebentou bem na hora de sairmos pra festa. Que festa, cara-pálida? Por dentro, estamos em pleno velório de nós mesmos, chorando nossa miséria existencial, isso sim.


Não pretendo soar melodramática, mas é que tem dias em que a gente inventa de se investigar, de lembrar dos sonhos da adolescência, de questionar nossas escolhas, e descobre que muita coisa deu certo, e outras não. Resolve pesar na balança o que foi privilegiado e o que foi descartado, e sente saudades do que descartou. Normal, normalíssimo. São aqueles momentos em que estamos nublados, um pouco mais sensíveis do que gostaríamos, constatando a passagem do tempo. Então a gente se pergunta: o que é que estou fazendo da minha vida? Vá que tudo isso passe pela sua cabeça enquanto você está trabalhando no computador. De repente, a conexão cai, e em vez de desabafar com um simples palavrão, você faz o quê? Cai no berreiro. Evidente.


Eu sorrio muito mais do que choro, razões não me faltam para ser alegre, mas chorar faz bem, dizem. Eu não gosto. Meu rosto fica inchado e o alívio prometido não vem. Em público, então, sinto a maior vergonha, é como se estivesse sendo pega em flagrante delito. O delito de estar emocionada. Mas emocionar-se não é uma felicidade? Neste admirável mundo de contradições em que a gente vive, podemos até não gostar de chorar, mas trata-se apenas da nossa humanidade se manifestando: a conexão do computador, às vezes, cai; por outro lado, a conexão conosco mesmo, às vezes, se dá.


Sendo assim, sou obrigada a reconhecer: chorar faz bem, não importa o álibi. É sempre a dor do crescimento.

Amor Epidérmico

Amor Epidérmico
Martha Medeiros

Seus pais foram jantar fora e deixaram o apartamento só para você, seu namorado e a tevê a cabo. Que inconseqüentes! Em menos de um minuto vocês deixam a televisão falando sozinha e vão ensaiar umas cenas de amor no quartinho dos fundos. De repente, escutam o barulho da fechadura. Seu pai esqueceu o talão de cheques. Passos no corredor. Antes que você localize sua camiseta, sua mãe se materializa na porta. Parece que ela está brincando de estátua, mas não resta dúvida que entrou em estado de choque. Você diz o quê?
Mãe, a carne é fraca.

A desculpa é esfarrapada mas é legítima. Nada é mais vulnerável que nosso desejo. Na luta entre o cérebro e a pele, nunca dá empate. A pele sempre ganha de W.O.

Você planeja terminar um relacionamento. Chegou à conclusão que não quer mais ter a seu lado uma pessoa distante, que não leva nada à sério, que vive contando piadinhas preconceituosas e que não parece estar muito apaixonado. Por que levar a história adiante? Melhor terminar tudo hoje mesmo. Marca um encontro. Ele chega no horário, você também. Começam a conversar. Você engata o assunto. Para sua surpresa, ele ficou triste. Não quer se separar de você. E para provar, segura seu rosto com as duas mãos e tasca-lhe um beijo. Danou-se.

Onde foram parar as teorias, os diálogos que você planejou, a decisão que parecia irrevogável? Tomaram Doril. Você agora está sob os efeitos do cheiro dele, está rendida ao gosto dele, está ligada a ele pela derme e epiderme. A gravação do seu celular informa: seus neurônios estão fora da área de cobertura ou desligados.

Isso nunca aconteceu com você? Reluto entre dar-lhe os parabéns ou os pêsames. Por um lado, é ótimo ter controle absoluto de todas as suas ações e reações, ter força suficiente para resistir ao próprio desejo. Por outro lado, como é bom dar folga ao nosso raciocínio e deixar-se seduzir, sem ficar calculando perdas e danos, apenas dando-se ao luxo de viver o seu dia de Pigmaleão.

A carne é fraca, mas você tem que ser forte, é o que recomendam todos. Tente, ao menos de vez em quando, ser sexualmente vegetariano e não ceder às tentações. Se conseguir, bravo: terá as rédeas de seu destino na mão. Mas se não der certo, console-se. Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter.

Palavras Especiais

Palavras Especiais
(autor desconhecido)

SOLIDÃO é uma ilha com saudade de barco.

SAUDADE é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue.

LEMBRANÇA é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.

AUTORIZAÇÃO é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo" é pouco.

POUCO é menos da metade.

MUITO é quando os dedos da mão não são suficientes.

DESESPERO são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça.

ANGÚSTIA é um nó muito apertado bem no meio do sossego.

AGONIA é quando o maestro de você se perde completamente.

PREOCUPAÇÃO é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento.

INDECISÃO é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.

CERTEZA é quando a idéia cansa de procurar e pára.

INTUIÇÃO é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.

PRESSENTIMENTO é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.

RENÚNCIA é um não que não queria ser ele.

SUCESSO é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe.

VAIDADE é um espelho onisciente, onipotente e onipresente.

VERGONHA é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.

ORGULHO é uma guarita entre você e o da frente.

ANSIEDADE é quando faltam 5 minutos sempre para o que quer que seja.

INDIFERENÇA é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.

INTERESSE é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.

SENTIMENTO é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.

RAIVA é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.

TRISTEZA é uma mão gigante que aperta seu coração.

ALEGRIA é um bloco de Carnaval que não liga se não é Fevereiro.

FELICIDADE é um agora que não tem pressa nenhuma.

AMIZADE é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.

DECEPÇÃO é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.

DESILUSÃO é quando anoitece em você contra a vontade do dia.

CULPA é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.

PERDÃO é quando o Natal acontece em Maio, por exemplo.

DESCULPA é uma frase que pretende ser um beijo.

EXCITAÇÃO é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa.

DESATINO é um desataque de prudência.

PRUDÊNCIA é um buraco de fechadura na porta do tempo.

LUCIDEZ é um acesso de loucura ao contrário.

RAZÃO é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.

EMOÇÃO é um tango que ainda não foi feito.

AINDA é quando a vontade está no meio do caminho.

VONTADE é um desejo que cisma que você é a casa dele.

DESEJO é uma boca com sede.

PAIXÃO é quando, apesar da palavra "perigo", o desejo vai e entra.

AMOR é quando a paixão não tem outro compromisso marcado. Não! Amor é um exagero... também não. É um desadoro... Uma batelada? Um exame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?
Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor não sei explicar.

http://www.vivercomalma.com.br/textos.htm
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