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Sétimo

José Miguel Wisnik
Sétimo

Ter ido uma vez ao sambódromo está entre os maiores acontecimentos que já presenciei. A frase provocativa de Oswald de Andrade, “Wagner submerge ante os cordões do Botafogo”, escrita no manifesto pau-brasil antes de existirem os desfiles das escolas de samba, fica cheia de verdade e de ressonâncias proféticas. Fora isso, assisto pela televisão a algumas escolas, com um interesse variável e não muito fiel. A transmissão chapa em muito a grandeza acachapante da “obra de arte total”. O caráter genérico do gênero prevalece muitas vezes sobre tudo o que ele mantém de fascinante. Mas fico torcendo, mesmo assim, para não estar de fora na hora em que acontecer algum evento sem paralelo. O que se passa quando a excelência supera a maestria consolidada e, sem abrir mão do controle técnico, desvela alguma coisa que o próprio controle técnico esconde. Foi o que senti com a Mangueira.

Acho que ninguém duvida da excepcionalidade do desfile da Mangueira, mesmo que o sétimo céu que ela atingiu tenha se traduzido, na hora da premiação, num sétimo lugar. Não estou focado prioritariamente na premiação. O gabarito avaliativo, segmentado em quesitos especializados, cobrindo pontualmente todos os aspectos de um desfile, é uma somatória que não capta certas qualidades totalizantes que extravasam das especialidades. Em outras palavras, é uma conta de mais e de menos que não dá conta, justamente, da potência de um acontecimento exponencial, no qual entram elementos variáveis, indeterminados e não segmentáveis.

Não estou discutindo com isso a justeza ou a justiça do resultado, dentro dos seus critérios, mas afirmando que há coisas que ele não é capaz de captar pela própria natureza do molde mental que o preside. Muitas coisas, aliás, no estado atual da arte, são avaliadas segundo o mesmo modelo.

A própria “paradona” da bateria Surdo Um da Mangueira, por exemplo, foi insistentemente descrita como uma proeza da ordem dos recordes, isto é, só entendida se quantificada, à maneira de um feito extracurricular da olimpíada do samba. Mas o que ela instaurava era mais ainda do que a inédita e arriscada suspensão, por toda uma volta do samba, desse sinal de sincronia que garante o movimento unificado das milhares de pessoas. Como a bateria da escola de samba é o som constante e dominante de um desfile, que está ali como se desde sempre e para sempre, com a exceção das “paradinhas” que confirmam a regra, suspendê-lo por tanto tempo é instaurar a quase surreal “presença de uma ausência”, em que a bateria fica soando ainda na sua falta.

Mas a “paradona” não faria sentido nenhum se o samba não correspondesse e não tivesse a capacidade de empolgar as arquibancadas. Porque era o canto do sambódromo inteiro que ocupava e preenchia o vazio deixado pela bateria, como se trocasse de função com ela, tornando-se o portador da pulsação subjacente, mantendo a sincronia perfeita até a volta da percussão.

A questão está longe de parar aí. A proposta do enredo, por sua vez, era a afirmação da sintonia da Estação Primeira com o Cacique de Ramos, da escola com o bloco que tem sido uma espécie de fio condutor do samba carioca, da batucada com o canto, da escola de samba com o fundo de quintal. Como é sabido, os enredos e os desfiles são todos “alegóricos”, isto é, representações de fatos históricos, personagens, temas gerais, do iogurte à realeza ou do que seja, através de figurações concretas. 

Tecnicamente, dentro de uma longa tradição, a alegoria é a representação figurada de uma “outra coisa”. As escolas em geral têm caminhado na direção de uma hipertrofia alegórica, com a correspondente espetacularização hiperbólica dos carros. A “alma da sanfona”, na abertura do desfile da Unidos da Tijuca, é um bom exemplo de virtuosismo alegórico levado ao extremo, nos confins do malabarismo, dos truques mágicos e dos efeitos de Cirque du Soleil, para dar corpo visível e concreto a um conceito inefável: o “espírito” do instrumento de Luiz Gonzaga. Paulo Barros tem sido um inovador ousado e refinado nessa verdadeira corrida desenfreada à alegoria. O enredo deste ano, ao que parece, foi mais palatável e premiável do que os seus dos anos anteriores.

Mas, voltando ao assunto: talvez a coisa mais profunda e inédita que Mangueira tenha feito este ano foi rebaixar o tom alegórico geral, saindo dessa corrida desenfreada e fazendo um desfile em que, em vez de “representar outra coisa”, isto é, o bloco Cacique de Ramos, “contando-lhe” a história etc. etc., ela tenha se transformado naquilo que representa, falando de algo sendo o mais próximo possível desse algo de que fala. Como se Mangueira “parasse”, não só a bateria, mas desse uma parada salutar nessa alegorização compulsiva de tudo quanto existe para desvelar o veio do samba que corre por baixo. E o samba, afinal, não falava de nenhuma outra coisa, senão desse lugar “de quem pôde chegar aonde a gente chegou”.

O Cacique batia o grande tambor no qual o pandeirista fazia suas evoluções malabarísticas, lembrando o histórico e mangueirense Carlinhos do trio Pandeiro de Ouro. Os orixás dançavam em círculo sob o tamarineiro. A palheta de cores era altamente sutil, não se destacando muito do chão da Sapucaí, com o qual formava um todo. Tudo isso neste momento em que os blocos renasceram e tomaram o carnaval do Rio.

Texto publicado no Jornal O Globo - Segundo Caderno em 25 de fevereiro de 2012.

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Quando o fracasso nos desafia de perto...
Quando a tentação e a enfermidade nos visitam...
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Quando os próprios amigos nos abandonam...
Quando todas as circunstâncias nos contrariam...
Quando a mágoa aparece...
Quando a incompreensão nos procura, ameaçadora...
Quando somos intimados a esquecer-nos, em benefício dos outros...
Então, é chegado para nós o teste de aproveitamento espiritual, na escola da vida, para efeito de promoção.

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