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Chorar faz bem

Chorar faz bem
Martha Medeiros


Uma vez eu estava no velório de uma amiga da minha mãe que havia falecido cedo, aos 60 e poucos anos. Eu gostava muito dela, era uma mulher bonita, divertida, vibrante. Foi uma morte anunciada, ela vinha doente há meses. Portanto, estava tudo dentro da previsibilidade. Ainda assim, quando entrei na capela onde estava o caixão, senti um aperto no peito, minha garganta fechou, parecia que eu iria sufocar, e então, sem que eu conseguisse me controlar, caí em prantos. Chorei como se fosse da família, chorei o choro reservado apenas àqueles muito próximos, chorei de dar vexame, deixando a todos comovidos com a minha dor. Mal sabiam eles que minha tristeza por aquela amiga de minha mãe era bem menor do que a tristeza por mim mesma. Eu chorava por algo que havia morrido em mim, chorava um pedaço da minha vida que havia deixado de existir, chorava uma perda que nada tinha a ver com aquela situação. O velório foi apenas um álibi providencial.


Desde então, comecei a ficar mais atenta às verdadeiras razões dos meus choros, que, aliás, costumam ser raros. Já aconteceu de eu quase chorar por ter tropeçado na rua, por uma coisa à-toa. É que, dependendo da dor que você traz dentro, dá mesmo vontade de aproveitar a ocasião para sentar no fio da calçada e chorar como se tivéssemos sofrido uma fratura exposta.


Qualquer coisa pode servir de motivo. Chorar porque fomos multados, porque a empregada não veio, porque o zíper arrebentou bem na hora de sairmos pra festa. Que festa, cara-pálida? Por dentro, estamos em pleno velório de nós mesmos, chorando nossa miséria existencial, isso sim.


Não pretendo soar melodramática, mas é que tem dias em que a gente inventa de se investigar, de lembrar dos sonhos da adolescência, de questionar nossas escolhas, e descobre que muita coisa deu certo, e outras não. Resolve pesar na balança o que foi privilegiado e o que foi descartado, e sente saudades do que descartou. Normal, normalíssimo. São aqueles momentos em que estamos nublados, um pouco mais sensíveis do que gostaríamos, constatando a passagem do tempo. Então a gente se pergunta: o que é que estou fazendo da minha vida? Vá que tudo isso passe pela sua cabeça enquanto você está trabalhando no computador. De repente, a conexão cai, e em vez de desabafar com um simples palavrão, você faz o quê? Cai no berreiro. Evidente.


Eu sorrio muito mais do que choro, razões não me faltam para ser alegre, mas chorar faz bem, dizem. Eu não gosto. Meu rosto fica inchado e o alívio prometido não vem. Em público, então, sinto a maior vergonha, é como se estivesse sendo pega em flagrante delito. O delito de estar emocionada. Mas emocionar-se não é uma felicidade? Neste admirável mundo de contradições em que a gente vive, podemos até não gostar de chorar, mas trata-se apenas da nossa humanidade se manifestando: a conexão do computador, às vezes, cai; por outro lado, a conexão conosco mesmo, às vezes, se dá.


Sendo assim, sou obrigada a reconhecer: chorar faz bem, não importa o álibi. É sempre a dor do crescimento.

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