Um homem para combinar com o vestidoMartha Medeiros
Zero Hora.com, 22 /06/08, n° 15640
Dois filmes em um. É assim que defino o badaladésimo Sex and the City. Assisti a pouquíssimos episódios da série de tevê, e essa falta de intimidade com as quatro moças me deu um certo distanciamento para analisar o que se passa ali, na tela do cinema, naquela Nova York hiperglamurizada, onde o mundo fashion é um quinto personagem.
Em minha análise de leiga, considero que a primeira parte do filme vai até a cena do casamento de Carrie com Mr. Big. Até ali, vi mais ou menos o que estava preparada para ver: um desfile non-sense de roupas que nenhuma mortal se atreveria a vestir à luz do dia (alguns dos modelitos eu não vestiria nem no escuro, mas como sigo a cartilha do "menos é mais", não sirvo de parâmetro). Percebi também uma certa histeria feminina, aquele desespero que fica latente quando um grupo de mulheres se encontra para falar de bolsas, sapatos e homens, nessa ordem. Uma confraria de colecionadoras - dos três itens! Até mesmo a direção do filme, nessa primeira parte, me pareceu mais frenética, ou eu é que estava lenta demais e não consegui acompanhar a rapidez dos acontecimentos e a excitação daquelas quatro.
Então acaba a cena do casamento, e a impressão que dá é que houve uma troca de roteirista - um novo filme começa. Não que se transforme automaticamente num drama existencialista francês. Segue glamouroso, divertido, mas já não é tão fútil. É como se as quatro tivessem levado um balde de água fria (de certa forma, levaram) e resolvessem parar de pensar como colegiais, dando lugar a questionamentos mais maduros.
Claro, a profundidade é a mesma da série de tevê - água pela canela - mas o filme mostra claramente a confusão que algumas mulheres fazem ao alcançar sua independência: acreditam que o individualismo faz parte do pacote. Não é bem assim.
Trabalhar, ganhar nosso próprio dinheiro, defender nossas idéias, o.k., é imprescindível. Mas estamos tão obcecadas em proteger essa importante conquista que passamos a ter dificuldade em partilhá-la com quem, a priori, não faz parte do nosso time: eles. Se por um lado é muito bacana ver no filme as quatro personagens cultivando uma amizade saudável, íntima e verdadeira entre elas, por outro soa meio antigo que essa amizade seja a única maneira de elas conseguirem conjugar a primeira pessoa do plural: nós. Nós, mulheres. Nós, as poderosas. Nós com nossos filhos, nossas secretárias e nossos amigos gays.
Na hora de pensar em "nós" em termos de casal, surge a dificuldade do relacionamento. Algumas mulheres encaram os homens como acessórios de luxo. Não pega bem sair de casa sem um homem, assim como não pega bem sair de casa com qualquer roupa. É como se os homens tivessem que combinar com nosso vestido. Seguimos acreditando que mulher sem homem é uma mulher incompleta, e eles acabaram se transformando, também, num objeto de consumo. Só que estruturar uma relação afetiva requer bem mais do que bom gosto.
De todos os Manolo Blahnik, Prada e Louis Vuitton que fazem parte do elenco de Sex and the City, o que mais curti foi ver as mulheres se darem conta de que, ao abrirem seus closets, não encontrarão um amor prêt-à-porter. Desaprendemos a dizer "nós" quando tivemos que lutar pelos nossos direitos: maternidade, profissão, sexo livre, tudo isso passou a dizer respeito ao "eu" da mulher, e foi fundamental esse mergulho particular para chegar até aqui. Agora é hora de reaprendermos a dizer o "nós", não mais como a parte submissa da dupla, e sim como parceiras de um homem que já entendeu o novo mundo em que vive, já nos aceitou como independentes, e que agora nos quer menos controladoras e mais amigas, mais amantes, e por que não dizer, mais despidas.
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