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Nossa imagem no espelho

Nossa imagem no espelho
Martinho Carlos Rost

O que nos torna seres singulares é nossa capacidade de criar contextos explicativos do mundo. Não nos basta ser - é necessário explicar o que somos, justificar nossa existência; é preciso convencer a nós mesmos que somos o que somos.

Quando explicamos, reduzimos coisas ou fatos isolados, aparentemente sem relação entre si, a uma ordem ou lei geral. Explicar é raciocinar: estabelecer relações entre fenômenos que parecem desconexos; é pensar logicamente. Explicar é utilizar a razão para conceber um princípio que torne uno o que nos parece disperso; que aproxime o que parece afastado de nós.

Ora, somos nós que estamos dando explicações. Somos nós que descrevemos o mundo, dizendo que ele é assim ou assado, e que funciona desta ou daquela maneira. Ao afirmarmos, por exemplo: "O céu está azul", o sujeito não é, como pode parecer, "O céu". Ao cabo de uma análise mais profunda, seremos compelidos a dizer: "Eu vejo que o céu está azul"... "Eu acho"... "Eu sinto"... "Eu penso"... O sujeito real é sempre o "Eu": o "Eu" que duvida, que interroga e busca provas; o "Eu" que explica, que descreve, que deseja conhecer. E o mundo - veja só! - torna-se mero predicado: não mais do que aquilo que declaramos acerca de nós mesmos.

O mundo é como um espelho que reflete nossa imagem - que quer nos mostrar como somos, mas que na verdade nos mostra o que queremos ver. É por isso que se diz que o universo conspira a nosso favor. Pudera! Ao pensar, nós o criamos - e é nosso pensamento que o sustenta. O mundo responde as nossas expectativas, porque reflete a consciência que temos de nós mesmos.

Há um certo narcisismo, um quê de auto-admiração, em nossa atitude diante do espelho. Nossa imagem - nossa concepção de universo - evoca o respeito devido a séculos de filosofia e ciência, mas é somente uma imagem... O saber acumulado pelo pensamento humano pode erguer-se como um magnífico monumento à verdade, mas é somente um monumento... não é a verdade... O conhecimento registrado nos anais de nossa história pode servir como um mapa, mas nunca será o território, para onde (que o digam os poetas!) só as asas do coração podem nos levar.

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