CRÔNICA
A crueldade dos jovens
Walcyr Carrasco | 08/09/2010
Conheci uma mulher cujo filho de
14 anos queria um par de tênis de marca. Separada, ganhava pouquíssimo como
vendedora. Dia e noite o garoto a atormentava com a exigência. Acrescentou mais
horas à sua carga horária para comprar os tênis. Exausta, ela presenteou o
filho. Ganhou um beijo e outro pedido: agora ele queria uma camiseta 'da hora'.
E dali a alguns dias a mãe estava abrindo um crediário! Já conheci um número
incrível de adolescentes que estabelecem um verdadeiro cerco em torno dos pais
para conquistar algum objeto de consumo. Uma garota quase enlouqueceu a mãe por
causa de um celular cor-de-rosa. Um rapaz queria um MP3. Novidades são lançadas
a cada dia e os pedidos renascem com a mesma velocidade. Pais e mães com
frequência não conseguem resistir. Em parte, por desejarem contemplar o sorriso
no rosto dos filhos. Uma senhora sempre diz:
— Quero que minha menina tenha o
que eu não tive.
Pode ser. Mas isso não significa
satisfazer todas as vontades! Muita gente é praticamente chantageada pelos
filhos. A crueldade de um adolescente pode ser tremenda quando se trata de
conseguir alguma coisa. Uma vez ouvi uma jovem gritar para o pai:
— Você é um fracassado!
Já conheci uma garota cujo pai se
endividou porque ela insistiu em ir à Disney. Os juros rolaram e, dois anos
depois, ele vendeu a casa para comprar outra menor e quitar o empréstimo. Outro
economizou centavos porque a menina quis fazer plástica. Conselhos não
adiantaram:
— Você é muito nova para colocar
implante de silicone.
Ficava uma fúria. Queria ser
atriz e, segundo afirmava, não teria chance alguma sem a intervenção. (Não
conseguiu. Hoje trabalha como vendedora em uma loja.) Procedimentos estéticos,
como clareamento de dentes, spas e, claro, plásticas, são muito pedidos, ao
lado de roupas de grife, excursões, joias, celulares e todo tipo de eletrônico.
É óbvio que o jovem tem o direito de pedir. O que me assusta é a absoluta falta
de freio, a insistência e a total incompreensão diante das dificuldades
financeiras da família. Recentemente, assisti a uma situação muito difícil. Mãe
solteira, uma doméstica conseguiu juntar, ao longo de anos, o suficiente para
comprar uma quitinete no centro de São Paulo.
— Vou sair do aluguel! —
comemorou.
A filha, 16 anos, no 2º grau,
recusou-se:
— Quero um quarto só para mim!
Não houve quem a convencesse. A
mãe não conseguiu enfrentar a situação. Continuam no aluguel. O valor dos
apartamentos subiu e agora o que ela tem não é suficiente para comprar mais
nada.
Muitas vezes, os filhos da classe
média estudam em colégio particular ao lado de herdeiros de grandes fortunas.
Passam a desejar os relógios, as roupas, o modo de vida dos amigos milionários.
— De repente a minha filha quer
tudo o que os coleguinhas têm! Até bolsa de grife.
Uma coisa é certa: algumas
equiparações são impossíveis. A única solução é a sinceridade. E deixar claro
que ninguém é melhor por ter mais grana, o celular de último tipo, o último
lançamento no mundo da informática. Pode ser doloroso no início. Também é
importante não criar uma pessoa invejosa, que sofre por não ter o que os outros
têm. Mas uma família pode se desestabilizar quando os pais se tornam reféns do
pequeno tirano. A única saída para certas situações é o afeto. E, quando o
adolescente está se transformando em uma fera, talvez seja a hora de mostrar
que nenhum objeto de consumo substitui uma conversa olho no olho e um abraço
amoroso.
e-mail: walcyr@abril.com.br
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