Postagens

A angústia da múltipla escolha

A angústia da múltipla escolha
Martha Medeiros
(Revista O Globo, 13/09/2009)

Outro dia um jornalista me perguntou se eu achava que as pessoas andavam muito infelizes em suas vidas amorosas. Eu não tenho procuração para responder pelos outros, mas acho que o termo infeliz é um pouco dramático. Conheço inúmeros casais que vão muito bem, obrigado. O que existe hoje talvez seja uma angústia generalizada em razão da quantidade de portas que a liberação sexual nos ofertou. Tem a porta A, que nos leva a um casamento monogâmico, a porta B que nos leva a um caso extraconjugal, a porta C que nos leva a uma vida de solteiro com inúmeros romances, a porta D que nos leva a uma bissexualidade ativa, a porta E que nos leva à paternidade, a porta F que nos leva à separação, a porta G que nos leva a uma solidão escolhida, a porta H que nos leva ao convento, a porta I que nos leva a um clube de swing, a porta J que nos leva a encontros virtuais, e as portas seguem se multiplicando nesse corredor de ofertas.

Antes a vida tinha menos opções. Você casava para sempre e constituía uma família, já que a reprodução era a razão de ser da sexualidade. Ou então não casava e virava tia, uma mulher à margem, que não havia dado sorte, coitada. Os homens tinham um pouco mais de liberdade, mas também acabavam aprisionados pela ética vigente: ou se transformavam em reprodutores e provedores, ou não eram boa coisa.

Depois que a pílula anticoncepcional entrou no mercado, sexo deixou de existir apenas para procriação e passou a existir pelo prazer. E o prazer é múltiplo, advém de arranjos variados. Mesmo ainda pressionados por alguns padrões, hoje temos mais informação e mais autonomia para bater à porta do estilo de vida que acreditamos que nos trará mais satisfação. O problema é que esse prazer, que antes era facultativo, virou obrigatório. Ai de você se não tiver “x” parceiros no seu currículo, “n” orgasmos a cada transa, enfim, uma biografia de arrebentar. Sua vida erótica tem que ser nada menos que inimitável. Ela passou a ser mais importante do que sua vida emocional, ao menos pra consumo externo.

Deveriam andar juntos, amor e sexo. Isso restringiria o número de portas e, por conseqüência, a angústia de ter que escolher apenas uma e renunciar às outras. Mas amor e sexo não andam mais juntos, e as pessoas ficam perdidas, procurando um amor estável e ao mesmo tempo se abrindo para emoções efêmeras, tentando canalizar seu desejo e ao mesmo tempo sendo excitadas por inúmeros estímulos que chegam da tevê, do cinema e das revistas.

Não creio que estejamos mais infelizes no amor, mas um pouco tontos, certamente. Muitas possibilidades nos atraem e ao mesmo tempo nos paralisam. O que cada um de nós quer e precisa? Foco e autoconhecimento para transitar nesse freeshop erótico-afetivo sem virar refém do próprio deslumbre.

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...