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Martha Medeiros

Um mundo sem fronteiras
Martha Medeiros
Zero Hora n° 15587


Muros caíram, países se unificaram e adotaram a mesma moeda, idiomas se propagaram e a internet coloca você em qualquer cidade em tempo real: a sensação é de que o mundo não tem, mesmo, mais nenhuma fronteira. Avança-se muito, para todos os lados, e rápido.


Ninguém pára você.


Seus pais o educavam, hoje lhe permitem tudo. O acesso à informação era restrito, hoje é total. Não há mais censura, viva! Por outro lado, a impunidade também está vencendo o jogo, a lei custa a te pegar. De celular em punho, você manda notícias de onde estiver. Você tem tudo à disposição, o mundo é um supermercado. Quer homem, quer mulher?


Não há mais assunto proibido, escolha o tema que desejar, é só postar. Diga sempre o que pensa, inclusive ofensas! É o que todos incentivam. Faça o que tiver vontade, siga seus instintos, não renuncie a seus desejos.


Tudo pode.


Tire pedaços do corpo, injete toxinas no rosto, mude de cara. Case e descase mil vezes, tenha quantos filhos quiser, tire quantos filhos quiser, você tem que conhecer o Marrocos, você tem que fazer terapia, você é a soma das suas escolhas.


Ninguém te impede nada, você é seu dono.


Claro que tudo isso é uma ilusão, uma liberdade comprada em revista, televendas da euforia, só que sem delivery, você não recebe nada em casa, fica apenas com a impressão causada: a de que esse mundo aberto, escancarado, é um convite ao impulso, ao ir em frente sem pensar.


Expansões geográficas, virtuais e cerebrais não terão atingido também os sentimentos? Havia zonas fronteiriças em nós. Até um determinado ponto, podíamos sentir raiva, mas jamais atravessar para o campo da insanidade. Podíamos terminar uma relação, mas ferir e humilhar era desnecessário. Ser autêntico não significava ser mal-educado. Falava-se muito em "a liberdade de um termina onde começa a liberdade de outro" - quando foi isso, na era paleozóica?


Você pedia dinheiro emprestado, mas fraudar já era um pouco demais. Você contava umas mentirinhas, mas prestar falso testemunho era outra coisa. Tiravam-se fotos, mas elas ficavam restritas a álbuns e porta-retratos, não iam para o YouTube. Declarações de amor eram ditas entre quatro paredes, não no Orkut. Assim como no mar, não era prudente ultrapassar a arrebentação.


O limite do prazer ia até o risco de afogamento. Sabia-se até onde se podia chegar. Para ser alegre, não precisava ser descontrolado. Havia um limite entre ser sincero e ser grosseiro. E podíamos dar uma palmada no bumbum, mas matar era exagero.

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