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Invólucros

Invólucros
Luis Fernando Verissimo

Telefones celulares, agendas eletrônicas e computadores portáteis cada vez mais compactos, e portanto com teclas cada vez menores, pressupõem usuários com dedos finos. Se vale a teoria da seleção natural de Darwin, as pessoas com dedos grossos se tornarão obsoletas, não se adaptarão ao mundo da microtecnologia e logo desaparecerão.
E os dedos finos dominarão a Terra.
Há quem diga que, como os miniteclados impossibilitam a datilografia tradicional e, com o advento das calculadoras, os cinco dedos em cada mão perderam a sua outra utilidade prática, que era ajudar a contar até dez, os humanos do futuro nascerão só com três dedos em cada mão: o indicador para digitar (e para indicar, claro), o dedão opositor para poder segurar as coisas e o mindinho para limpar o ouvido. Outra inevitável evolução humana será a pessoa já nascer com um dispositivo — talvez um dente adicional, cuneiforme, na frente — para desembrulhar CDs e outras coisas envoltas em celofane, como quase tudo hoje em dia.
E fiquei pensando no enorme aperfeiçoamento que seria se as próprias pessoas viessem envoltas numa espécie celofane em vez de pele. Imagine as vantagens que isto traria.
No lugar de derme e epiderme, uma pele transparente que permitisse enxergar todos os nossos órgãos internos, tornando dispensáveis o raio X e outras formas de nos ver por dentro. Bastaria o paciente tirar a roupa para o médico olhar através da sua pele e dar o diagnóstico, sem precisar .apalpar ou pedir exames. Está certo, seríamos horrorosos.
Em compensação, a pele transparente seria um grande equalizador social. "Beleza interior" adquiriria um novo sentido e ninguém seria muito mais bonito que ninguém, embora algunspudessem ostentar um baço mais bem acabado ou um intestino delgado mais estético, e o corpo de mulheres com pouca roupa ainda continuasse a receber elogios ("Que vesícula!"). Acabaria a inveja que as mulheres têm, uma da pele das outras, e a consequente necessidade de peelings, liftings, botox, etc. E como todas as peles teriam a mesma cor — cor nenhuma — estaria provado que somos todos iguais sob os nossos invólucros, e não existiria racismo.
Fica a sugestão, para quando nos redesenharem.

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